quinta-feira, 7 de abril de 2011

uma chamada perdida.

PARTE I 

 - O céu está realmente bonito hoje - ela pensa. E estava mesmo bonito, um azul meio claro e meio escuro, com alguns nuances, meio cor de rosa, meio laranja, algo que só acontece bonito assim no verão, no pôr-do-sol. Mas hoje, estava frio, era outono, e ainda assim, o céu estava lindo.
 Levanta-se do chão do quintal, onde estava deitada em devaneios, e vai para o quarto, ao levantar, sente uma tontura e quase cai, mas já está acostumada a esses episódios e se agarra rapidamente na parede.
 Entra em sua casa pela porta detrás, e passa correndo pela cozinha, com um certo receio, talvez até medo, de parar por um segundo e sabe-lá-o-que aconteça.
 Ninguém entende, e ela não espera que entendam, por isso, não se dá ao trabalho de contar/explicar/reclamar ou até de pedir ajuda. 
 Sobe as escadas, pulando degraus, e vê a porta de seu quarto no fim do corredor, andando em direção ao quarto, se lembra das inúmeras vezes que passou ali, correndo, andando, tentando não fazer barulho ás quatro da manhã, e quando passou ali acompanhada.
- Eu sinto falta dele - diz em voz alta, pra si mesma. Mas em seguida, corrige. - Eu sinto falta de quem ele era. 
Ela sente falta de quem ele costumava ser, de quem eles costumavam ser, juntos. Quando estavam juntos, ela sentia falta dele quando ele sumia, suas crises pioravam, todos notavam a mudança. Mas ai, ele voltava, e tudo simplesmente parecia estar no lugar novamente. Mas agora, ele se foi, e ela não sabe quando voltará. Se voltará. 
 Abre a porta de madeira pesada, pintada de branco, entra e fecha. Passa a chave dourada na fechadura, e suspira. Um ritual, feito nos últimos meses, quase todos os dias, muitas vezes seguidos de crises de choro, ataques de ira, uma intensa tristeza, vazio, e até mesmo tédio. 
 Apoiando-se na porta, olha o quarto, a cama de casal encostada na parede, o computador na mesa ao lado, um espelho, e abaixo dele, uma balança. As paredes do quarto, coloridas de verde, cheias de fotos, imagens, que a faziam ter tantas lembranças, um sem número de memórias. A janela branca com entalhes, dava a sensação de ser bem antiga uma certa nostalgia, era coberta por uma longa cortina cor de rosa. A porta do banheiro estava entreaberta, fazia um silêncio descomunal na casa,  podia-se escutar as gotas que pingavam da torneira mal-fechada do banheiro. Ela atravessou o quarto, fechou as cortinas, escancarou a porta do pequeno banheiro, viu a torneira da banheira de porcelana pingando, deu três passos, e abriu totalmente a torneira, regulou a temperatura como gostava, quente. E se deixou ficar ali, olhando a água transparente correr, fechou os olhos. 
  Após alguns minutos, com a banheira ainda enchendo, tirou a regata branca que vestia, deixou a calça - já meio larga - cair ao chão, e por último, as roupas íntimas. Olhou a banheira, já quase cheia, fechou a bonita torneira dourada e entrou, a água quente invadiu-lhe a pele, os poros, os pensamentos, deixou a cabeça tombar para trás e molhou os cabelos loiros, demorando-se por alguns momentos. 

 Olhou as unhas dos pés, pintadas de "vermelho selvagem", subiu um pouco o olhar, notou as pernas brancas, subindo mais, as coxas e logo os olhos estavam no quadril, que estava marcado por um hematoma ainda roxo, no lado esquerdo. Subindo mais, para seu abdome, também se viam alguns hematomas, e abaixo do seio esquerdo, o que pareciam ser pequenos cortes.
 Um toque conhecido interrompeu seus pensamentos, era seu celular, mas aonde o havia deixado? Prestou atenção de onde vinha aquela música tão apreciada e conhecia por ela, devia estar no andar de baixo, o som estava longe. Saiu da banheira num pulo, espalhando água e espuma por todo o chão, puxou seu roupão que estava pendurado atrás da porta, calçou os chinelos e saiu, em menos de cinco segundos, pode se dizer.
 Desceu as escadas pulando um degrau, o mais rápido que pode, porém, no último degrau a música cessou. 
 - Só pode ser brincadeira né? - E riu alto. Uma risada que ela não tinha há tempos. Pensou em como a situação era cômica, e talvez nem fosse tanto, mas ela precisava se agarrar aquela gargalhada o mais forte que conseguisse.
 Virou o corpo para subir e voltar para o banho, pensando que depois olharia o celular e retornava a quem tivesse ligado. No primeiro passo, ouviu a música novamente, desceu o último degrau, andou até a sala, e notou que o som vinha de dentro de sua bolsa que estava em cima do sofá. Indo até lá, pensou em como tinha escutado, de tão longe o celular. Enfim, agora não era importante. Ainda chamava, pegou-o. "recebendo chamada - número restrito" . Atendeu.
 - Alô?
 Silêncio na outra linha. Ela tentou novamente.
- Alôo?
 Ouvia apenas uma respiração, lenta, entrecortada. E depois, a ligação sendo finalizada. Tu..Tu..Tu.
 Quem será que era? - Pensou -  De qualquer forma, não prestou muita atenção nisso, porém, ela ainda não sabia o que estava por vir.

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